A era da desinformação na sociedade do espetáculoO crescimento da desinformação e da manipulação premeditada de fatos é um problema recorrente capaz de influenciar tomadas de decisão das mais diversas possíveis. O acesso cada vez maior à tecnologia e plataforma de interação social potencializa o efeito danoso das fake news, fazendo o mundo caminhar a passos largos para o caos absoluto na era da desinformação instantânea. Esse fenômeno tem se aprofundado ainda mais em tempos de pandemia da covid-19. Em época de eleição, acaba sendo um prato para grupos de interesses ganharem vantagem na corrida pelo poder, custe o que custar. Nem mesmo o filósofo francês Jean Baudrillard (1929–2007) teria imaginado que quase 40 anos depois de publicar Simulacra e Simulation, a sociedade enfrentaria seu mais perigoso abalo que deixa os anos 1980 como um vislumbre de uma representação profunda da realidade. Baudrillard nunca poderia imaginar o poderoso fenômeno das mídias sociais na segunda década dos anos 2000. Após 2010, a sociedade estabeleceu-se como uma era de símbolos, uma era de disfarce, uma era de ocultação, onde o ser social se apresenta à sociedade usando diferentes tipos de máscaras que superam a própria realidade. Conforme apontado pela jornalista Claire Wardle, editora do First Draft News Research e pesquisadora da União Europeia, o mundo está travando uma guerra injusta devido à complexidade do compartilhamento inadvertido de informações falsas e da criação e compartilhamento deliberados de informações falsas. A autora descreve que o termo falso não é profundo e significativo o suficiente para “entender a complexidade da situação”. Então ela propõe quebrar o ecossistema da informação em três elementos:
“Certamente devemos nos preocupar com pessoas (incluindo jornalistas) que compartilham desinformações. Muito mais preocupantes, porém, são as campanhas sistemáticas de desinformação. Tentativas anteriores de influenciar a opinião pública através de tecnologias de transmissão de “um para muitos”, mas as redes sociais permitem que “átomos” de propaganda sejam diretamente direcionados a usuários com maior probabilidade de aceitar e compartilhar uma mensagem específica “, diz Wardle. Um exemplo disso são os disparos em massa via Whatsapp, objeto de investigação pelo Tribunal Superior Eleitoral em relação à campanha de 2018 aqui no Brasil. Mas como tudo isso chegou a este ponto caótico? Não é difícil entender. A décadas atrás, nós recebiamos informações de um grupo limitado de fontes jornalísticas. Estas fontes eram formadas por jornais, canais de televisão, rádio e algumas revistas. Notícias passavam por uma curadoria rígida pois nestes meios, tempo e espaço eram escassos, logo havia necessidade de se escolher bem o que iria ser divulgado. Com a chegada da internet, tudo mudou. Sob a batuta de “democratizador” das informações, a distribuição tornou-se acessível, mais barata e bem mais rápida. No mundo virtual, espaço é ilimitado, portanto a curadoria de notícias ficou de lado e deu lugar a quantidade em recorde de tempo. Quantas vezes lemos uma notícia sobre um fato que está acontecendo no momento e esta notícia é atualizada de minuto a minuto? Para agravar ainda mais a situação hoje em dia a maior parte das pessoas passam o dia na frente do computador ou celular. Quem dita o que lemos são algoritmos de mecanismos de buscas ou redes sociais (Google, Facebook, Instagram e Twitter- os mais comuns). Os algorítimos são desenvolvidos para entregar exatamente o que o usuário quer ler. Ele estuda o histórico pessoal e analisa a semântica da busca para a seguir disponibilizar a informação mais precisa possível para “atender ao gosto” do usuário. Exemplo: um usuário que gosta de ler sobre assuntos políticos e é simpatizante do Partido Verde Alemão ou do Podemos espanhol recebe em seu feed de noticiais diárias matérias relacionadas a legislações de assuntos afeitos à sua ideologia e informações que falam positivamente de seus candidatos . Ele vai ser bombardeado com vídeos e matérias relacionadas a isto no Facebook, Instagram e Twitter. E, neste processo todo, também vai receber matérias e vídeos de acontecimentos que vão contra a sua pauta de forma a enviesá-lo o tornando míope ao debate político. Tudo organizado e entregue de bandeja pelos famosos algoritmos de busca. O Whatsapp é a cereja do bolo para essa bagunça toda. Uma das maiores ferramentas mobile de troca de mensagens do mundo, comprada por bilhões pelo Facebook, acabou se tornando uma plataforma de troca de notícias veloz. A única credibilidade existente nas mensagens é a da pessoa que enviou. Se ela compartilha com sua ideologia, vale a pena ser lido. Senão, a mensagem cai no esquecimento e se perde. E chegamos a outra mudança dos tempos. Hoje, a credibilidade da notícia de fato depende de quem divulga. Plataformas como o Twitter dão espaço a jornalistas darem sua opinião pessoal à notícia- isto não acontecia antes, apenas em editoriais, que ocupavam um pequeno espaço dos jornais. Esta exposição acaba escancarando o viés ideológico do difusor da notícia e acaba ofuscando o mais importante: a própria notícia em si. Com este caos instaurado, muitos grupos de interesse operam para alavancar suas agendas e quem fica perdido no meio deste tiroteio é grande parte da população que não segue uma ideologia extrema e quer poder “tocar a vida, que já está difícil”. No Brasil, o poder público tenta de todas as formas encontrar mecanismos para combater as fake news. O problema é a forma e a saída até agora encontrada é um instrumento de censura de informação travestido de controle social: é o caso da proposta que está em apreciação pelo Senado. O projeto de lei que promete instaurar um manual de práticas para empresas e internautas mostra falhas grotescas de implantação. Nada mais é do que uma ideia a ser usada como arma política contra a liberdade de expressão. Esta debate foi aberto quando se tem provas claras de disparos de mensagens em massa via Whatsapp pela campanha do atual presidente Jair Bolsonaro, espalhando fake news sobre seus concorrentes. A oposição alega que Bolsonaro tenha vencido a eleição graças a este mecanismo, que continua sendo usado para promover propaganda a seu favor. Nos EUA borbulham movimentos de rua com participação de grupos de extrema esquerda e direita. Estes movimentos ocupam o Twitter com divulgação de notícias minuto a minuto sem que tenham tido seu devido fact check. Em Seattle por exemplo, foi erguido o CHAZ- Capitol Hill Autonomous Zone. Uma ocupação de pessoas dissidentes dos protestos de George Floyd que bloquearam um trecho de Downtown Seattle. Fortemente armados e barricados, os organizadores tomaram posse de um precinto policial e pedem o fim da polícia. Não se sabe ao certo o que acontece em CHAZ, mas relatos no Twitter são os mais variados possíveis. Pessoas que defendem a Zona Autônoma alegam que é um movimento pacífico que visa chamar atenção para uma possível violência policial sistemática contra minorias. Por outro lado, muitos tem mostrado imagens de violência entre os participantes, com relatos de espancamentos, furtos e estupros- divulgados por quem é contra a imposição da zona. A prefeita da cidade que ordenou que a polícia se retirasse do precinto e não disperse os barricados a força agora está com um grande problema nas mãos. Existem mais de 50 pequenos estabelecimentos comerciais dentro do CHAz que alegam ter sofrido ameaças dos organizadores e são impossibilitados de abrir suas portas. Por conta disso, entraram com uma processo judicial contra a prefeitura que autorizou a retirada a ação dos manifestantes. Os exemplos de dispersão de dados falsos durante a pandemia, nas eleições e neste ambiente de difícil acesso, o CHAZ, a sociedade tem duas opções: 1) mergulhar profundamente em uma “simulação de realidade superficial” que, contraditoriamente, é mais atraente para o espectador do que o próprio objeto reproduzido ou 2) lutar contra a formação do simulacro e construir a informação baseada em dados e apoiada por fontes confiáveis. O problema, como já foi apontado neste artigo, é que os fenômenos das mídias sociais incentivaram o ser humano a estar muito mais disposto falar a um público que antes não tinham. A diferença entre o tempo de Baudrillaurd e agora é que, com tecnologia e mídia social, todos podem ter uma audiência. A Société du Spetacle, ensaio de Guy Débord, também é determinante para os olhos famintos do público das redes sociais. O espetáculo sempre foi uma força propulsora para os seres humanos, mas agora todos podem construir uma extravagância/desfile para uma população demográfica segmentada. O espetáculo é um comportamento social agora. E as notícias falsas são uma maneira de uma persona desenvolver seu próprio show com agenda e propósito. No livro de 1967, Debord detalha apenas duas formas da sociedade espetacular: 1. a difusa, impulsionada pelo domínio do modelo cidadão-consumidor ; 2. a concentrada, representada pelos regimes ditatoriais. Em 1988, Debord adicionou um terceiro tipo que ressoa profundamente no mundo de hoje: o espetacular “integrado”, uma síntese dos dois primeiros. O último é transversal a todos os regimes políticos e caracteriza-se por cinco pontos: A incessante renovação tecnológica; A fusão econômico-estatal; O segredo generalizado; O falso sem resposta; O presente perpétuo. Alguém está percebendo as similaridades? Portanto, é preciso responder o que é mais rentável para uma sociedade e como conduzir as gerações futuras por um caminho que valoriza o fato real e despreza o falso, porém, espetacular. Esse é o desafio porque em jogo está a sobrevivência da própria democracia. Escrito por Tiago Pariz. Jornalista pela PUC-SP e especialista em Marketing Internacional pela FIA. É sócio da Caravelas Comunicação, empresa boutique com ampla experiência em comunicação estratégica, relações públicas e gestão de Crise.
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8/26/2021 03:10:39 am
The greatest impediment to implementing any of these goals lies outside of any academic data points for it's individuals having the courage to do what we know to be just, right and for the common good.
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